"No primeiro ano não vou ausentar-me de Timor-Leste"

Taur Matan Ruak, o novo Presidente timorense, em resposta a perguntas escritas do DN, afirma ser "estratégico" o relacionamento com Portugal. Considera ainda necessário "elevar o patamar de relacionamento" com a Indonésia e Austrália.
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Ao tomar posse, quais as questões que considera prioritárias para os próximos cinco anos e que papel pode o Presidente, no quadro dos seus poderes e competências, desempenhar para contribuir na sua concretização?

Timor-Leste irá atravessar uma transformação durante os próximos cinco anos, mas só o poderá concretizar se garantirmos a paz e a estabilidade - estas são as duas grandes prioridades: segurança e estabilidade. Sem este binómio indissociável nada será transformado ou desenvolvido em Timor-Leste! Antes de entrarmos nas prioridades para cinco anos, existem três grandes prioridades imediatas, ao nível político, que ditarão a concretização das prioridades a prazo: 1 - As eleições parlamentares de 7 de Julho, para eleger o novo Parlamento Nacional. É crucial que o processo eleitoral decorra de forma pacífica e ordeira como foi o processo das eleições presidenciais. Pela primeira vez, Timor-Leste organizou e realizou integralmente o processo eleitoral. Foi um passo muito importante no amadurecimento dos nossos quadros e instituições e mesmo da nossa democracia. Este segundo desafio eleitoral tem de reforçar essa maturidade e vontade inquestionável de respeitar o Estado de Direito; 2 - Nomear o novo governo com base nos resultados das referidas eleições parlamentares; e 3 - Preparar e acompanhar o processo de saída das Missão das Nações Unidas e das forças internacionais que se encontram em Timor-Leste em consequência da crise política de 2006. A minha campanha eleitoral foi realizada em trono de uma Visão que apresentei aos timorenses. Essa Visão foi construída em torno dos dois pilares centrais: a segurança e o bem-estar do nosso povo e aponta cinco grandes linhas, que considero as prioridades para o mandato de cinco anos que iniciarei a 20 de Maio: a manutenção da independência e integridade nacionais, através, nomeadamente da construção de um sistema económico viável, coerente e sustentável visando a eliminação da dependência externa e da economia petrolífero-dependente, reforço da nossa identidade, criação de emprego; consolidação das instituições do Estado, do Estado de Direito, e da democracia através da maior participação e responsabilização dos cidadãos; descentralização do Estado e do processo de desenvolvimento por forma a assegurar a proximidade aos cidadãos, a melhor prestação de serviços e um processo de desenvolvimento mais equitativo nos distritos; uma transformação visível e concreta das infraestruturas do país de modo a criar as condições necessárias ao investimento nacional e estrangeiro; dar atenção e envolver os grupos sociais mais vulneráveis no processo de transformação do país e, não menos importante, consolidar a posição regional e global de Timor-Leste, enquanto país que contribui para a Paz e a melhoria das condições de vida dos Povos.

Na perspetiva da situação política em Timor-Leste e correspondente estabilidade, considera mais útil a existência de um Governo assente num só partido ou num Governo de coligação?

Será o povo a decidir o que deseja para Timor-Leste. Só perante a sua vontade expressa é que poderei tomar uma decisão. Contudo, não creio que um só partido possa formar Governo uma vez que acho difícil algum partido obter uma maioria parlamentar.

Em termos do processo de pacificação interna da sociedade timorense, podem considerar-se totalmente ultrapassadas as circunstâncias na origem da crise de 2006-2008?

A sociedade timorense está tranquila e muito desejosa de ver o país avançar. Esta foi a mensagem que saiu clara durante os seis meses em que percorri todo o país e, também, do processo eleitoral. A crise política de 2006 está definitivamente ultrapassada. Hoje posso dizer que foi uma lição do processo de maturação da nossa democracia e da liderança política timorense.

Está prevista para o final de 2012 a saída da missão da ONU em Timor-Leste. Considera reunidas todas as condições para que a ONU saia sem afetar a estabilidade interna ou seria aconselhável - ainda que em outros moldes - a continuação de uma presença internacional no seu país?

A situação em Timor-Leste já permite a saída da Missão da ONU e das Forças Internacionais aqui estacionadas desde 2006. A sua saída no final do ano prova que já não são necessárias. No entanto, temos todo o interesse em que a ONU mantenha em Díli um pequeno escritório, de natureza política e de coordenação das inúmeras agências do sistema da ONU que cá trabalham.

Timor-Leste tem a sua economia demasiado ligada ao petróleo e gás natural. Que outros sectores podem ou devem ser incentivados na dupla perspetiva da diversificação das receitas e da criação de emprego no país, sendo o desemprego, como o referiu recentemente, um dos principais desafios a resolver na sociedade timorense?

Estamos demasiado dependentes do petróleo. Mais de 90% do Orçamento do Estado é financiado pelas receitas petrolíferas. Não pode ser. Estamos a descurar e negligenciar o desenvolvimento de sectores muito importantes como a agricultura e pescas, estratégicos na garantia da segurança alimentar, e do turismo, para referir apenas alguns. Bastariam estes sectores para assegurar a criação de polos de desenvolvimento nos distritos - ao invés da concentração de todo o investimento e riqueza em Díli -, e a muito necessária criação de emprego.

No plano diplomático asiático, além da adesão à ASEAN, quais devem ser as prioridades de Timor-Leste neste campo? - Por exemplo, reforço das relações com a Indonésia, com a Austrália, com novos parceiros como a República Popular da China?

A Indonésia e a Austrália são dois países com os quais as nossas relações têm evoluído de forma impressionante: de países em confronto connosco, passaram a países vizinhos. De países vizinhos passaram a países amigos. Agora há que dar mais um passo: aliados. É do interesse de Timor-Leste, da Indonésia, da Austrália e da região, elevar o patamar do relacionamento. A nossa relação com a República Popular da China é de grande amizade. A China tem sido incansável no apoio e assistência que presta a Timor-Leste em áreas muito diversificadas: saúde pública, infraestruturas, comércio e outras. É claro que ainda é uma relação muito desequilibrada e apesar de a China ter decidido uma política de isenção total de tarifas aos produtos exportáveis timorenses, só por nossa incapacidade de exportação é que ainda não beneficiamos desta generosidade.

No plano das relações bilaterais com Portugal, quais as áreas em que se deve aprofundar a cooperação?

É difícil encontrar palavras inovadoras e criativas para descrever o nosso relacionamento com Portugal e os portugueses. O sofrimento de uns é partilhado pelos outros, as alegrias de uns são partilhadas pelos outros. Portugal atravessa um período de grande austeridade e pensamos muito nas dificuldades que os portugueses sentem de momento. Por tudo isto, creio que é importante, por um lado, Portugal concentrar a sua cooperação com Timor-Leste em áreas consideradas por nós como estratégicas, caso da língua, justiça e segurança e, por outro lado, Timor-Leste assumir cada vez mais as responsabilidades financeiras dessa cooperação. O conhecimento e a competência técnica de Portugal é-nos fundamental, mas não queremos, nem podemos fazer pesar nos portugueses o desejo de cooperação com Portugal.

Qual gostaria que fosse o futuro da língua portuguesa em Timor-Leste?

Não é só o futuro da língua! Nós fizemos uma opção política, estratégica, identitária. O português está para ficar. Há que trabalhar mais no ensino da língua portuguesa, mas está presente hoje de forma incomparável com há cinco anos atrás. Já não é motivo de conflito ou de questionamento. Há que trabalhar mais para a implantar e disseminar.

Espera visitar Portugal no futuro próximo?

Sim, gostaria muito. Contudo, os desafios imediatos levaram-me a tomar a decisão de não me ausentar do país durante o primeiro ano do meu mandato. Estou convicto de que teremos a oportunidade de concretizar uma visita depois do primeiro ano.

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